segunda-feira, 13 de maio de 2013

Filme canadense lança com eficácia questões relevantes de educação


Em dado momento de "O que Traz Boas-Novas", o pai de uma aluna diz ao professor, textualmente, que sua função é ensinar, não educar. É sobre essa dúvida que, parece, o canadense Philippe Falardeau articula seu filme.

A crer nesse pai, educar é uma tarefa privada: valores, comportamento etc. são da alçada doméstica. O ensino, língua, contas etc. seriam atribuições do professor.

Com isso, está lançada a confusão. A afirmação do pai é o corolário de um sistema marcado pela incapacidade de delimitar responsabilidades numa cultura em que a esfera pública e a privada já não se comunicam (não fluentemente, em todo caso).Essa confusão desemboca, no filme, no suicídio de uma professora de escola primária. Diante da catástrofe, dois problemas se abrem para a direção: 1) como não traumatizar os alunos mais do que já estariam traumatizados; 2) como dar sequência ao ano escolar.

É quando surge M. Lazhar. Ele vem da Argélia, assume o posto porque ninguém está disposto a substituir a professora e logo surpreende os alunos com seus métodos.

Começa por colocar as carteiras nos lugares tradicionais (e não mais agrupadas "para favorecer a dinâmica do grupo" ou algo assim), dá um texto de Balzac como ditado e chega mesmo a bater na cabeça de um aluno mais irrequieto.

Lazhar é adepto, talvez intuitivo, de uma pedagogia tradicional, na qual o professor ensina, como queria aquele pai, mas também deve ajudar os alunos a cultivar valores que, teoricamente, seriam partilhados também pelos pais (pois dizem respeito à sociedade, não à família ou ao indivíduo).

Os problemas, é claro, aparecerão de vários lados (inclusive alguns que será melhor omitir aqui). O essencial, no entanto, é que "Boas-Novas" propõe-se a discutir uma questão que surgiria a partir de um certo tipo de ideologia pedagógica (liberdade para crianças, constrangimentos vários para seus mestres), mas logo se revela um problema cultural mais amplo.

Daí a presença do mestre argelino constituir uma bela ferramenta narrativa. Com suavidade, induz o espectador a questionar uma sociedade avançada que pode estar se mostrando mais atrasada ou conservadora do que culturas tradicionais (ou antiquadas).

Mais: que a vida escolar pode revelar sinais de desagregação cultural mais profunda.

Se não é o melhor cinema do mundo, este ao menos lança suas questões eficazmente.

Serviço:
O que traz boas- Novas
Espaço Itaú Frei Caneca, Kinoplex Itaim e Reserva Cultural
Classificação 14 anos

Texto extraído da Folha de São Paulo – 10/05/2013
De Inácio Araujo – Crítico de Cinema
















Nenhum comentário:

Postar um comentário