Em
dado momento de "O que Traz Boas-Novas", o pai de uma aluna diz ao
professor, textualmente, que sua função é ensinar, não educar. É sobre essa
dúvida que, parece, o canadense Philippe Falardeau articula seu filme.
A
crer nesse pai, educar é uma tarefa privada: valores, comportamento etc. são da
alçada doméstica. O ensino, língua, contas etc. seriam atribuições do
professor.
Com
isso, está lançada a confusão. A afirmação do pai é o corolário de um sistema
marcado pela incapacidade de delimitar responsabilidades numa cultura em que a
esfera pública e a privada já não se comunicam (não fluentemente, em todo
caso).Essa confusão desemboca, no filme, no suicídio de uma professora de
escola primária. Diante da catástrofe, dois problemas se abrem para a direção:
1) como não traumatizar os alunos mais do que já estariam traumatizados; 2)
como dar sequência ao ano escolar.
É
quando surge M. Lazhar. Ele vem da Argélia, assume o posto porque ninguém está
disposto a substituir a professora e logo surpreende os alunos com seus
métodos.
Começa
por colocar as carteiras nos lugares tradicionais (e não mais agrupadas
"para favorecer a dinâmica do grupo" ou algo assim), dá um texto de
Balzac como ditado e chega mesmo a bater na cabeça de um aluno mais irrequieto.
Lazhar
é adepto, talvez intuitivo, de uma pedagogia tradicional, na qual o professor
ensina, como queria aquele pai, mas também deve ajudar os alunos a cultivar
valores que, teoricamente, seriam partilhados também pelos pais (pois dizem
respeito à sociedade, não à família ou ao indivíduo).
Os
problemas, é claro, aparecerão de vários lados (inclusive alguns que será
melhor omitir aqui). O essencial, no entanto, é que "Boas-Novas"
propõe-se a discutir uma questão que surgiria a partir de um certo tipo de
ideologia pedagógica (liberdade para crianças, constrangimentos vários para
seus mestres), mas logo se revela um problema cultural mais amplo.
Daí
a presença do mestre argelino constituir uma bela ferramenta narrativa. Com
suavidade, induz o espectador a questionar uma sociedade avançada que pode
estar se mostrando mais atrasada ou conservadora do que culturas tradicionais
(ou antiquadas).
Mais:
que a vida escolar pode revelar sinais de desagregação cultural mais profunda.
Se
não é o melhor cinema do mundo, este ao menos lança suas questões eficazmente.
Serviço:
O
que traz boas- Novas
Espaço Itaú Frei Caneca, Kinoplex Itaim e Reserva Cultural
Classificação 14 anos
Texto extraído da Folha de São
Paulo – 10/05/2013
De Inácio Araujo – Crítico de
Cinema
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